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Sem contar com uma merrequinha depois do Natal na Arrábida, já há 8 meses que não voava... Estava por isso mais que ressacado e desejoso de experimentar o avião que tinha ido buscar à Suíça há 15 dias, uma AIR ATOS VR que comprei em segunda mão.

Já tinha trazido o arnês e o equipamento do meu filho Nuno, que há dois anos que não voa, e estava por isso, pensava eu, pronto para o que desse e viesse. E desejoso...

No fim-de-semana passado estive de serviço e ontem esteve uma ventania, mas o Carl Wallbank, o voador que "manda cartas" nesta ilha e o recordista inglês com 315km, ontem tinha feito um voo de 260 km e aterrado na praia, só porque não havia mais Inglaterra para aterrar, razões pelas quais hoje, a despeito do tempo cinzento e chuviscoso, tinha de dar.

Combinei com o Mike Armstrong estar em Tinto, na pedreira, às 10 da manhã. Por isso acordei com o despertador às 7:00, arranjei-me, verifiquei que tinha todo o material e as sandes que tinha comprado na véspera, pus tudo no carro e fui ao barracão que aluguei por 20 libras por mês para guardar a asa. Tem uma porta onde dá para entrar com o carro e resolvi cronometrar o trabalho desde a abertura da porta até ao seu fecho, já com a asa amarrada: 30 minutos ! É verdade que foi a primeira vez, pelo que quase tudo era novo. Depois isto não é uma asa, são duas: as AIR são muito pesadas - esta pesa uns incríveis 45kg - pelo que são normalmente transportadas em dois sacos, um para cada bordo de ataque. Tive portanto que pôr o rack em cima do carro, pôr as escadas (duas, também) e amarrá-las, por as duas metades da asa e amarrá-las e finalmente sair. Meia hora. Sozinho...

Passei pelo meu homónimo Costa para o pequeno almoço de fim-de-semana típico: um copo de leite frio; dois espressos duplos, um dos quais verto logo para dentro do leite, para fazer um galão; uma tosta mista e o outro espresso duplo para rebater.

Uma hora e dez até Tinto, um monte de 600m que fica 50km a SE de Glasgow - eu estou em Greenock, pouco mais de 30km a ONO de Glasgow - e exactamente às 10:00 estava a chegar à pedreira combinada.

Já lá estava o Steve Brown, que já tinha conhecido quando, há cinco fins-de-semana, fui com o Mike vê-los voar a Broughton Heights, e cinco minutos depois chegou o Mike.

A má notícia chegou com ele: a descolagem é quase 100m acima da pedreira, que é o sítio mais alto onde os carros chegam; para a descolagem tem de se levar a asa a pé, às costas !... Fiquei logo a fazer contas de cabeça: a chuviscar, tecto abaixo do cimo do monte, um frio de rachar, uma previsão com um bocado mais de vento do que eu gosto, 100m a subir com a(s duas metades da) asa às costas, mais o arnês ? Se calhar vou fazer a recolha aos gajos, pensei...

"Comecemos por levar os arneses", disse sabiamente o Mike. Ok, alinhei. Tive de parar três ou quatro vezes para retomar o fôlego. Sim, imaginem subir o Salgado, desde a praia, com o equipamento às costas ??!...

Lá em cima um gelo, o vento não tão intenso quanto a previsão ameaçava, de frente, ainda a chuviscar. A paisagem com aterragens verdinhas por todo o lado.

Depois de largarmos os arneses e vermos a condição, voltámos para os carros, buscar as asas. As pernas tremiam-me do esforço despropositado, e ainda só tinha levado o arnês...

Desamarrar as asas, respirar fundo, maldizer a sorte e toca a subir, atrás daqueles dois quase sexagenários, ambos mais velhos mas muito mais ginasticados e habituados áquelas andanças - "subenças" - que eu. Tive a ideia de levar uma metade da asa um quarto do caminho, descer para descansar e buscar a outra metade da asa, parar de novo ao quarto de caminho, trepar até meio onde havia uma cerca de arame farpado para ultrapassar (!!!), largar aí a metade, voltar buscar a outra metade...

Estava eu a deitar os bofes pela boca antes de ultrapassar o arame farpado do meio do caminho, passa um rebanho de parapentistas. Perguntaram "are you alright ?". A resposta, óbvia, por entre respirações ruidosas, foi "no".

Simpáticos, sem eu pedir ajudaram-me a passar a cerca.

Lá levei mais uma metade da asa até aos 3 quartos do caminho e quando vinha para baixo, as pernas qual geleia, buscar a outra metade, vinha um gajo com a outra parte da minha asa às costas, ladeira acima ! Pensei que era uma aparição mas não era: era o Tony, que também tinha uma rígida mas que não ia voar. Agradeci-lhe e disse-lhe para pousar a asa, que eu a levaria. Que não, que era do Yorkshire e que os gajos do Yorkshire gostam de sofrer. Fixe ! Devia haver mais masoquistas assim no voo livre... Passou por mim e só voltei a vê-lo minutos depois, já com o Mike e com o Steve atarefados de roda das suas asas, perto da descolagem, numa cova onde tinham decidido montar abrigados do vento.

A subida foi só a primeira parte do meu suplício: a segunda parte foi montar a asa. Felizmente já não chuviscava e o Tony ajudou-me um bocado ao princípio, mandando uns bitaites muito a propósito. Foi então que me lembrei daquele velho e porco ditado que diz que a quem não sabe foder até os culhões atrapalham.

Lá fui escavacando as mãos e os dedos que me restam, fazendo força aqui e ali, pensando que já percebia porque é que em Portugal o único gajo que voa rígida é o brutamontes do Fuzo - sim, que o meu amigão JJ Reb, que é tão menina como eu, não VOA de rígida, só TEM uma rígida...-, tentando pôr as ripas todas no sítio certo...

Entretanto ainda não estava eu com a asa montada já os dois estavam prontos e com os fatos de voo vestidos. Pedi encarecidamente ao Mike que não me deixasse ali sozinho (com os parapentistas, que não descolavam por estar vento demais para eles). Anuiu, de menos bom grado. O Steve descolou e foi postar-se 500m acima do monte, às voltas mas sem chegar ao cloudbase.

O meu costume é demorar mais tempo com as preparações dos "periféricos" do que com a montagem da própria asa: tinha levado comida, sumos, a haste da máquina de filmar, rádio,... Nada, que o Mike estava com pressa. Atafulhei tudo no arnês às três pancadas, verifiquei que a cinta do arnês tinha a medida correcta com um hang-check rápido, consegui ligar o rádio e pôr a máquina de filmar num dos bolsos do arnês e aí vou eu, pegar na asa. 45kg dela ! Mais vinte do arnês, da comida e da bebida, da tralha... Tudo isto com uma bisarma com 14m de envergadura às costas, com o vento a dar-lhe, pelo meio de uma erva fofa e meio consistente com 30cm de altura onde os pés se enterram... Pfff. Fico cansado só de descrever, pelo que se pode imaginar como estava ao sentir tudo isto.

O Mike ajudou-me a levar a asa para a descolagem, que tinha nenhuma inclinação, pelo meio das ervas fofas. Lá chegado, o costume: o vento quase pára...

Maldisse a sorte: agora que precisava de vento para descolar mais facilmente, o c... pára-me...

Ali fiquei um minuto ou dois, preparado. Vem um bufo, pego na bisarma, aponto-a ao bufo, dou dois passos afundados nas ervas e, como de costume, empurro um nadinha para desenfiar rapidamente os pés do chão, fico quase parado, a avançar pouco e... A subir...

Fézada. A asa voa muito. Começou a andar para a frente, deitei-me, virei à direita, parecia um comboio, sobre carris, levezinha, com uma velocidade muito respeitável mas perfeitamente estável, previsível, permitindo-me voar entre 10 e 20m acima da ladeira sem ficar preocupado.

Não disse que esta descolagem é mais ou menos a meio do monte, que é quase redondo e sobe até aos 700m no ponto mais alto. Descolámos pouco acima dos 450m, subi 40m e ali andei, por volta dos 490, a fazer ladeira para um lado e para o outro: subia 50m e descia outros 50m, sem grandes enrolanços, que não sabia como é que a asa se comportaria a enrolar junto da ladeira.

Passada meia hora ainda andava nisto, já com pouca paciência para andar ali a rapar o monte. Entretanto o Mike tinha descolado e já estava 500m acima, com o Steve. E eu nada. Às tantas o Mike diz-me que ele e o Steve iam para trás, fazer "a prova": tinhamos na véspera marcado uma aterragem 100km a SSE dali, perto de Carlisle.

Disse-lhe que fossem, que eu estava a preparar-me para aterrar na frente do monte. Também não disse mas as instruções eram que devia aterrar na frente do monte, lá na planície, desmontar a asa e depois voltar a butes para a pedreira a meio do monte, onde tinha deixado o carro, para ir depois buscar a asa. Muito machos, estes voadores ingleses, nada de recolhões nem o c...

Deixei de os ver e estava a descer, já abaixo da descolagem e ainda a rapar o monte. Lá consegui apanhar alguma coisa e subi, enrolando, por ali acima, consistentemente. Passei o ponto mais alto do monte e continuei, até aos 1200m. Já tinha ganho o dia ! O Mike disse-me no radio que já estava 10km a Sul dali, pelo que andei um bocadinho mais, apanhei mais uma até ao cloudbase a quase 1500m, filmei uns minutos do voo e resolvi voltar para o lado Sul do monte, para uns campinhos à maneira ao pé da estrada, não muito longe do acesso à pedreira onde tinha ficado o carro.

Às tantas vejo o Steve aterrado mesmo no meio do maior campo de todos e não me fiz rogado: fui ter com ele, evitei duas térmicas pelo caminho e preparei-me para a aterragem, virado a Norte. Puxei os flaps o mais que podia - são duros e pesados como o caraças, não consegui puxá-los a fundo - e fiz-me à final com velocidade. Fui abrandando em efeito de solo, empurrei pouco e dei uma barrigada sem consequências, deslizando na erva verdinha e húmida com os patins que tenho na asa.

O Steve não viu a minha aterragem, distraído que estava com a desmontagem da asa: também ele tinha barrigado.

Desmontar foi coisa para mais duas horas e para mais agressão às minhas pobres mãos de menina, sempre a lembrar-me do provérbio malcriado e de que isto de rígidas é para machos propriamente ditos.

O Tony apareceu de carro e levou o Steve ao monte buscar o carro dele. Depois ele levou-me de novo lá acima buscar o meu e foi-se embora buscar o Mike, que tinha aterrado a 40km dali.

Outro suplício, o final, pensava eu, trazer as asas - sim, que cada metade é como se fosse uma asa propriamente dita - do meio do campo enoooorme para a estrada, pôr os sacos impermeáveis e amarrá-las em cima das escadas, para me ir embora parar na primeira estação de serviço beber um merecido espressozaço duplo que me estava a fazer falta. No caminho de 1:10 horas para casa comi uma das sandes e fui arrumar a asa no barracão e esse é que foi o (mini, comparado com alguns dos outros) suplício final.

Depois casa, banhinho, descarregar o voo, dois dedos de conversa com a Alexandra que, para o dia ter sido mesmo, mesmo bom devia estar a bater-me agora à porta, e escrever isto para a minha memória futura, do meu primeiro voo em Inglaterra dos últimos 35 anos - que já tinha voado uma vez em 1981 no Devil's Dike, com o JJ Rebelo -, merrequinha em que, ao contrário do recomendado, experimentei de uma só vez monte, asa, arnês e país, tudo "novo" e tudo ao mesmo tempo. E gostei. Muito.

Mas preciso de melhor tempo, de mais tempo para me preparar e de ficar com prática de montar e desmontar a asa, para eliminar alguns dos suplícios em que o dia de hoje foi pródigo. Ah, é verdade, e tenho de ir para o ginásio, que senão não me aguento atrás dos velhadas daqui, a quem agradeço: Mike, Steve, Tony, thanks.

Nas fotografias não se vê por o capacete ser integral mas depois de subir acima do monte (em baixo da minha barriga) andei sempre com "a taxa arreganhada" de satisfação. Pudera, com um avião destes...

PortugalRicardo Marques da Costa @ 2017-05-05 22:43:30 GMT Linguagem Traduzir   
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Boa sorte com o novo avião e obrigado pela excelente descrição do  voo.

PortugalPaulo Gomes @ 2016-04-24 23:21:32 GMT Linguagem Traduzir   
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Boa!

entao ai na terra do verde e da chuva tambem se voa e ha termica.

Bons voos

 

Ricardo

PortugalRicardoLouro @ 2016-04-25 08:15:23 GMT Linguagem Traduzir   
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Grande Ricardo,

 

agora é que vai ser... grande forma física, grande asa, grandes voos, e depois quando vieres fazer um vozinho a Portugal até estranhas tanta mordomia...

 

Abraço

Pedro Sampaio

PortugalPedro Sampaio @ 2016-04-25 09:12:48 GMT Linguagem Traduzir   
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Parabens pela asa, pelo voo, pelo espírito de sacrifício.

Que contes muitos e bons.

Abr,

PpedrofF

Guest: PdroFonseca @ 2016-04-25 13:31:12 GMT Linguagem Traduzir   
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Ufa, fiquei cansado só de ler o relato.

Agora é que vais ficar mesmo em forma, contanto tb com a ajuda da Alexandra :)

 

Abraço e aterra sempre bem.

PF

PortugalPaulo Frade @ 2016-04-26 15:25:26 GMT Linguagem Traduzir   
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