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A semana anterior, de férias, tinha sido óptima, com um voo de 235km para começar e 4 bons dias de voo em Piedrahita que me deram o primeiro lugar destacado na prova da Liga Andaluza de asa delta.

O primeiro dia de trabalho, na terça-feira em Leiria, foi por isso ainda mais difícil. Felizmente a Cristina do Vento fazia anos e fui, com vários outros amigos da asa delta, convidado para ir lá a casa à noite beber uns copos - gin, a nova especialidade do Vento - e confraternizar.

Logo à chegada recebi muitos parabéns por Piedrahita e surgiu imediatamente a questão, malévola, da previsão para quinta e sexta-feiras desta semana na Azinha, soberba: tectos perto de 4000, mais nuvem na sexta que na quinta, ventinho qb...

Mas eu tinha consultas, na CUF Cascais quinta e no HGO sexta, não poderia ir. No entanto a vontade, danada, e a perspectiva de ida do Pedro Sampaio, do Manuel Neto e do Paulo Frade deixaram-me a remoer o assunto.

No dia seguinte revi os compromissos: avisei na CUF que tinha surgido um imprevisto e que teria de adiar as consultas da manhã de quinta-feira. Quanto à sexta no hospital, não poderia de todo ir voar.

A combinação ficou então que iriam o MN, o Fuzo de recolhão e o PS no carro deste logo às 7:15 de quinta-feira para a Azinha, que eu iria lá ter no meu carro e voltaria nesse dia e que o PF iria na sexta ter com eles, que ficariam acampados no Ski Parque.

Tratei de mim e antes das 08:00 estava na A1 a telefonar ao PS. Estavam atrasados e vinham meia hora atrás de mim. Pude por isso ir devagar, olhando o céu limpo e a condição sem vento. Em Lisboa estavam 18ºC e à chegada ao Sameiro, 3 horas depois, 30º. As nuvens despontavam já.

Estive no café com o Miguel Ferrand que esperava uma enchente de parapentistas, e com o Arnold, que me trouxe o Live SD que o Cristiano tinha deixado no dia anterior para mim. Comprei sandes para todos e esperei à porta do Clube Vertical. Chegaram, pus a minha asa no carro do PS e subimos para a descolagem.

Lá em cima o vento estava espigadito de frente e começámos logo a montar. Entretanto chegou uma carrada de parapentistas, nomeadamente o Arnold Marx, o King Eusébio, o David Chaumet e o Bruno Matos. Enquanto montávamos tive dois "presentes" que apenas quem conhece o "millieu" do voo livre em Portugal pode avaliar: tanto o Arnold como o King se chegaram, cada um por sua vez, a mim e perguntaram qual seria a estratégia que eu recomendava para o voo desse dia. Fiquei inchado de orgulho pelo reconhecimento óbvio por parte de dois dos maiores passarões que temos em Portugal e disse a cada um que, de acordo com a minha observação das previsões, me parecia que o melhor voo seria com o vento de cauda, como teria dito o senhor de La Palisse, e provavelmente, depois de sair da Serra, numa linha que passasse algures entre Salamanca e Piedrahita, mais ou menos para Este.

Eles começaram a descolar e, apesar da nuvem que crescia atrás da descolagem, não era óbvio onde encontrar ascendente. O David descolou com um passageiro.

Às 13:00 horas, já com o AM, o ES e um com uma asa côr-de-laranja no cloudbase e a irem-se embora, com mais três ou quatro trapos a fazer ladeira e pouco mais perto da descolagem, descolamos nós: eu primeiro, o Manel depois e o Pedro no fim.

Estava de facto complicado subir pelo que andámos por ali a ladeirar até que, mais de 10 minutos depois e mais à frente, apanhei uma boa térmica com três dos parapentes que por ali voavam. Subimos rápida e consistentemente - deu subida integrada superior a 6m/s ! -, derivando pouco, até à nuvem a mais de 3000m. O PS estava muito abaixo mas também a subir e o MN ainda mais abaixo e a subir menos.

Avisei o Fuzo que me ia embora na direcção da Guarda e das nuvens que confluiam num trajecto bem delineado no céu.

Em 45 minutos cheguei à vertical da Guarda. Segui a A25 até Vilar Formoso, onde cheguei mais de meia hora depois e estive a mais de 3800, por cima do King, avisei o Fuzo e continuei. O PS vinha alguns quilómetros atrás de mim e entretanto o MN tinha conseguido chegar ao cloudbase e também ia na direcção da Guarda.

A 3000 e muito estava um frio de rachar, mesmo com luvas; cheguei a ver 6º mas tenho a certeza que estava bem menos, já que o termómetro do Compeo demora uns minutos a ficar tão frio como o ar exterior. As rotas melhores estavam desenhadas nas nuvens e a opção era ir ou junto da cordilheira Gata / Gredos ou mais para NE. Esta última parecia menos consistente pelo que escolhi a primeira, voando a 10 a 15km a N das serras espanholas.

Ia vigiando os três (3 !) variómetros que levava: o Compeo porque sim, sempre; o Live do meu filho Nuno, que já tinha sido meu e tinha as páginas que eu tinha formatado à minha maneira; o Live SD do Cristiano, que tinha o cartão para ir mostrando o meu voo ao Fuzo e, a mim, a recém-instalada página dos mapas. Iam todos ligados e com som, pelo aquilo era uma sinfonia, tanto para cima como para baixo, já que todos (o do Cris não sei, não conseguia distinguir) apitam para baixo a partir de 0m/s...

O PS vinha cerca de 30km atrás de mim e o MN tinha dito que estava a passar a Guarda. Fui andando com o vento, que ajudava cerca de 15km/h, primeiro de SO, depois de O e depois ainda de ONO. As nuvens ajudavam imenso a localizar a ascendência e em várias ocasiões também aproveitei as indicações de palhinhas que viajavam a muito mais de 2500m, de um andorinhão e dos grandes grifos.

A partir dos 180km acabaram-se as nuvens. Mas como para a frente é que era caminho continuei na mesma rota. Ainda por cima estava já com Piedrahita à direita e voava na direcção da primeira baliza do último voo do campeonato da semana anterior, caminho que já conhecia. Cheguei a estar baixo - "baixo" é maneira de dizer, pouco abaixo de 2000 - mas a táctica que não falhou em meia dúzia de ocasiões foi calcular a deriva de eventuais (reais, felizmente) térmicas provenientes de extensões lavradas e ir por essa direcção até bater na térmica.

Quando cheguei aos 200 e poucos quilómetros o vento ficou de N, a espaços até de NE. Para não "perder" distância em relação à descolagem resolvi apontar a SE e a Ávila. Nessa altura o PS avisou que tinha aterrado a 185km e eu respondi que ia aterrar em Ávila. Como lá cheguei com cerca de 300m resolvi atravessar a cidade e ir aterrar do lado E, onde via bons campos, um dos quais a ser lavrado por dois tractores que levantavam uma poeira providencial para me guiar na aterragem, mostrando vento de N.

Apanhei uma térmica de 2m/s que derivava perpendicularmente à direcção major do voo mas, de olho no planalto entre os montes de eólicas onde já tinha aterrado mais de uma vez e apesar da grande velocidade com que estas giravam e da direcção que indicavam, N, pensei que se conseguisse subir umas centenas de metros talvez, talvez conseguisse fazer mais que os 253,5km que eram o recorde nacional que eu tinha feito há cinco anos a partir do aeródromo de Castelo Branco.

Consegui subir 1700m, derivando para Sul... E, a 3000, fui-me embora na direcção original, Este, feliz, certo de que ultrapassaria a marca anterior, filmando-me a dizer isso mesmo e apontado aos campos a seguir a uma lagoa.

Escolhi o campo de aterragem mais livre de "azeitonas" (touros) que por ali havia e, a 30m de chão que está a quase a 1300m ASL, apontei a N e aterrei na borda da estrada a deslizar com os pés no chão, impecável, seis horas e 260km depois de ter descolado.

O dia, cujas previsões eu tinha estudado quase até à exaustão, iria estar tão bom e a perspectiva de fazer um grande voo era, desde a véspera, tão real que eu tinha decidido levar uma T-shirt que toda a família tinha vestido nas bodas de ouro dos meus pais e que tinha a sua fotografia no dia do casamento para, se a previsão se cumprisse, fazer uma selfie com ela vestida como tema para - e agora perdoe-me quem tiver o trabalho de ler este escrito e tiver horror de foleiradas, mas...-, neste que substitui o meu anterior recorde nacional, lhes agradecer por... Tudo ! Afinal, como diz a camisola nas costas, foi no dia em que os meus pais casaram que "tudo começou"... Ou, para mim, talvez dois meses depois visto que eles casaram no princípio de Dezembro de 1959 e eu nasci em fim de Outubro de 1960. Lembro-me, a este propósito, especialmente bem daquela noite de Fevereiro de 1981 em que, com 20 anos, disse ao jantar aos meus pais que me tinha inscrito num curso de asa delta no Aero Club de Portugal e a minha Mãe, ainda agora possuidora de uma saúde de ferro, me respondeu exaltada "asa delta ? Só por cima do meu cadáver"... Lembro-me também dos desgostos enormes que lhes causei com a asa delta, mormente ao cortar os dedos da mão direita no triciclo em 83, ao fazer um hematoma sub-dural e ser operado in extremis à cabeça em 85, ao partir o (segundo...) braço em 2011. Fica o agradecimento e a dedicatória deste recorde aos melhores pais que eu tenho.

Várias horas, telefonemas e mensagens depois (o Cristiano foi, desta vez, o primeiro, o Paulo Nunes não falhou e o Paulo Frade, que pelos meus êxitos mais recentes não parece mas é de longe o melhor voador de asa delta de Portugal, também ligou, exultando de contente por mim), já bem de noite, chegou a recolha.

Chuletón e cañas em Ávila e volta para o Sameiro, onde chegámos às 02:30. Transferi a asa e o meu material para o carro e vim a abrir por aí abaixo, tendo chegado a casa às 04:30, para um duche rápido e um sono pesado até às 07:00, altura em que o despertador me avisou de que havia doentes para ver em Almada a partir das 08:00.

Lá fui hoje cumprindo as minhas tarefas hospitalares tão bem quanto possível até às 19:00, intercalando cada consulta com uma vista de olhos ao livetrack da Flymaster para ver os voos do Paulo Nunes (170) e do Eusébio (95). Finalmente, às 20:00, recebi uma mensagem do Paulo Frade, que aterrou a 240km da Azinha. Telefonei depois ao Pedro Sampaio, que hoje fez, "apenas", mais 140km. Alto nível ! Parabéns a todos. O voo livre tuga está em grande.

E os meus 300 ? Ficam para o ano e para a volta dos dias compridos, que esta época está quase a acabar.

PortugalRicardo Marques da Costa @ 2015-10-19 21:32:16 GMT Linguagem Traduzir   
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Grande planeamento, grande voo, grande relato (não pela extensão mas pela sua natureza pedagógica) e grande humildade. Também comentei na véspera deste dia com o meu amigo Zé Duro, que esta quinta feira ia ser dia de records pessoais, com uma previsão meteorológica em tudo igual àquilo que se observou, nos tectos e na aposta na direcção de Ávila. Quando vi no Live percebi logo que a anterior melhor marca nacional em asa delta ia cair... e assim foi! E penso que não vai ficar por aqui! Muitos parabéns!

Guest: MarioSantos @ 2015-08-21 22:41:23 GMT Linguagem Traduzir   
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yes

PortugalRicardo Marques da Costa @ 2015-08-22 12:35:27 GMT Linguagem Traduzir   
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Que voo e descrição assombrosa!

Parabens pelo planeamento e execução exemplares.

Alta competição ao melhor nivel.

 

Ricardo

Guest: ricardolouro @ 2015-08-31 12:51:01 GMT Linguagem Traduzir   
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Grande época de Voo, ainda não foram os 300, mas o ano ainda não acabou :)

Parabéns e Obrigado por seres quem és, Amigo Ricardo !

Abraço,

PF

PortugalPaulo Frade @ 2015-08-24 13:28:27 GMT Linguagem Traduzir   
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